12 maio 2011

2ºS. 11ª Lição- KANT: O Génio; O Sublime

RELAÇÃO Génio e GOSTO 



  • Para o julgamento de objectos belos requer-se o gosto
  • Para a produção de tais objectos requer-se o génio

  • O belo natural é uma coisa bela.
  • O belo artístico é uma representação bela de uma coisa.

No julgamento do belo artístico são tomados em consideração a perfeição da coisa enquanto fim da arte.

  • O gosto é uma faculdade de julgamento
  • O génio é uma faculdade produtiva


Pode haver coisas belas que o gosto ajuíza, mas que não têm génio!

Espírito
Uma poesia pode ser bela e graciosa mas sem Espírito…
O que quer isto dizer?
Espírito (Geist) em sentido estético significa, o princípio vivificante do Ânimo (Gemüt)
É a faculdade da apresentação das ideias estéticas.

Ideia estética é a representação da faculdade da imaginação que dá muito que pensar, sem que nenhum pensamento ou conceito definido se lhe possa adequar
A faculdade da imaginação cria as ideias estéticas
A faculdade da imaginação é criadora
Por outro lado, os atributos estéticos e lógicos presentes numa arte bela, numa obra de arte impulsionam a imaginação dos que a observam.
O génio reúne as faculdade da imaginação e do entendimento.
O génio consiste na feliz relação que nenhuma ciência pode ensinar e que nem com esforço se pode aprender, de encontrar a expressão pela qual o se vivifica o espírito.
Génio é originalidade, dom natural
É um exemplo não para a imitação, mas para a sucessão por outro génio.
Em Kant a evolução da História da Arte, não se dá como por exemplo na História das Ciências, onde há uma certa continuidade.
Na História da arte a evolução dá-se com grandes rupturas, pois a criação artística é obra do génio e por isso morre com ele.
A obra do génio pode apenas despertar noutro génio a sua originalidade, nunca a imitação.Unicamente ao génio é permitido uma certa deformidade na obra: unicamente num génio esta coragem é mérito, e uma certa audácia na expressão e um desvio da regra comum fica-lhe bem.
Num artista medíocre essa deformidade é apenas erro, falta de domínio da técnica

A contemplação da obra do génio desperta para o sentimento da sua própria originalidade, exercitando na arte uma liberdade em relação à coerção das regras
O génio é um favorito da natureza e a sua aparição é rara.






SUBLIME:






Turner, Tempestade de Neve, 1842

Turner criou uma composição dinâmica que envolve o espectador numa relação subjectiva com a tempestade.
O mundo femenológico da experiência do Sublime apresenta esta cena como um majestoso sublime dinâmico e natural da qual o espectador passa a fazer parte.







Conceito anti-clássico associado à grandiosidade e transcendência. Com ele dá-se, por exemplo, a transição do neoclassicismo para o romantismo, ocupando um local central na estética do século XVIII.
Foi primeiro usado como um termo retórico, dizendo respeito a determinadas qualidades que uma obra literária teria que possuir para levar o leitor ao êxtase e os seus pensamentos a um plano mais elevado.
A ideia de Sublime associa-se mais à natureza do que à Arte
Aqui privilegiam-se o informe, o grandioso, o tremendo
A arte pode representar de modo belo, o terrível, o assustador
O Sublime opõe-se a Belo
Kant afirma que o “sublime” pode ser intuído da natureza, pois esta fornece objectos incomensuráveis e o sublime é o que se apresenta como absolutamente grande.
Mas esse sublime é limitado pois na verdade ele reside na razão que domina essa natureza.

CFJ- Cap. 23-29
Na filosofia de Kant, o sublime é uma mistura de prazer e dor que se sente quando se está face a algo de grande magnitude.
Pode-se ter uma ideia de tal magnitude, mas não se consegue fazer igualar essa ideia com uma intuição sensorial imediata. Isto deve-se ao facto de os objectos sublimes ultrapassarem as capacidades sensoriais.

23- O Belo tal como o Sublimo aprazem por si próprios.
Os juízos acerca do Sublime são também universalmente válidos para cada sujeito
Reivindicam um sentimento de prazer e não um conhecimento
O Belo da Natureza diz respeito à sua forma, que consiste na sua limitação
O Sublime ao contrário diz respeito ao informe, uma ilimitação.

Belo: proporciona um prazer desinteressado;
finalidade sem fim (objectivo);
regularidade sem lei
Goza-se uma coisa bela sem a querer possuir; é vista como se fosse organizada para um fim, mas o seu único objectivo é a auto-subsistência; é regra para si própria
Ex. As flores são Belas
“Sublime é aquilo em comparação com o qual, tudo o mais é pequeno”, pág. 144
“O que deve denominar-se sublime não é o objecto, mas sim a disposição do espírito através de uma certa representação que ocupa a faculdade de juízo reflexiva.”pág 145
“Sublime é o que somente pelo facto de poder também pensá-lo prova uma faculdade do ânimo que ultrapassa todo o padrão de medida dos sentidos.”pág, 145



Sublime MATEMÁTICO:
25- Sublime é o que é absolutamente grande, mas é grande no sentido em que está acima de toda a comparação.
O exemplo do Sublime Matemático é o Céu Estrelado:
Parece que o que vemos supera a nossa sensibilidade, e leva-nos a imaginar mais do que vemos. A nossa razão (faculdade que concebe as ideias) postula um infinito que não só os nossos sentidos não conseguem perceber, como nem a imaginação consegue. Nasce um prazer inquieto e negativo que nos faz sentir a grandeza da nossa subjectividade, capaz de querer algo que não pode ter.
“Na representação do sublime na natureza o ânimo sente-se movido, já que no seu juízo estético sobre o belo ele está em tranquila contemplação. Este movimento pode ser comparado (principalmente no seu início) a um abalo, isto é, a um repelir rapidamente variável e a um atrair do mesmo objecto. O excessivo para a faculdade da imaginação é por assim dizer um abismo, no qual ela própria teme perder-se…”


Friedrich – O Monge à beira mar – 1808





Sublime DINÂMICO:
A natureza julgada dinamicamente como sublime, suscita medo. A natureza é vista como objecto de medo.
No terror é impossível encontrar comprazimento, ninguém procura situações de terror e muito menos retiraria daí comprazimento estético.
É necessário que nos encontremos numa posição de observadores, em segurança, com calma, contemplação…

“Rochedos audazes, nuvens de trovões acumulando-se no céu, avançando com relâmpagos e estampidos, vulcões na sua inteira força destruidora, furacões deixando para trás devastação, o ilimitado oceano revolto, uma alta queda de água de um rio poderoso, etc, tornam a nossa capacidade de resistência de uma pequenas insignificante em comparação com o seu poder. Mas o seu espectáculo só se torna tanto mais atraente, quanto mais terrível ele é, contanto que, somente, nos encontremos em segurança e de bom grado denominamos estes objectos sublimes, porque eles elevam as forças da alma sobre a sua medida média e permitem descobrir em nós uma faculdade de resistência de espécie totalmente diversa, a qual nos encoraja a medir-nos com a aparente omnipotência da natureza.” CFJ cap.28, pag 158






Turner – Os Pescadores e o mar - 1796

“Pescadores e o mar” foi uma pintura a óleo que Turner expôs no Royal Academy.
É uma cena de luar, que estava na moda no século XVIII, os assuntos nocturnos e a noção de Sublime (Kant), transmitem o poder esmagador da natureza.
As rochas em silhueta à esquerda representam Freshwater Bay, na Ilha de Wight, a sua aparência entretanto mudou, devido à erosão.






“Assim como encontramos a nossa própria limitação na incomensurabilidade da natureza e na insuficiência da nossa faculdade para tomar um padrão de medida desproporcionado à avaliação estética de tal grandeza, contudo também ao mesmo tempo encontramos na nossa faculdade da razão, um outro padrão de medida não sensível, e em confronto com o qual tudo na natureza é pequeno. Encontramos no nosso ânimo uma superioridade sobre a própria natureza na sua incomensurabilidade: assim também a irresistibilidade do seu poder nos dá a conhecer, enquanto entes da natureza, a nossa impotência física, mas descobre-se ao mesmo tempo uma faculdade de julgar-nos como independentes dela, e uma superioridade sobre a natureza.”

A Natureza convoca em nós a nossa força para considerar como pequeno tudo aquilo que nos preocupa (bens, saúde, vida)”

“Portanto a Natureza, aqui chama-se sublime simplesmente porque ela eleva a faculdade da imaginação à apresentação daqueles casos nos quais o ânimo pode tornar capaz de ser sentida a sublimidade própria do seu destino, mesmo acima da natureza.”









A Sublimidade não está contida em nenhuma coisa da natureza, mas somente no nosso ânimo, na medida em que podemos ser conscientes de ser superiores à natureza. Sublime é o sentimento suscitado pela natureza em nós.
Perante a incomensurabilidade da natureza, e perante a nossa incapacidade de avaliar esteticamente tamanha grandeza, ao mesmo tempo encontramos na nossa faculdade da Razão, um outro padrão de medida não sensível, que possui a ideia de Infinitude, e através da qual conseguimos encontrar no nosso ânimo uma superioridade sobre a própria natureza na sua incomensurabilidade.
Dependentes da natureza enquanto criaturas, damo-nos conta da nossa impotência física
Dá-nos ao mesmo tempo uma faculdade de nos ajuizarmos como independentes dela, numa superioridade sobre a natureza.

Um exemplo de sublime, para Kant, seria uma montanha. Pode-se ter ideia de uma montanha, mas não intuição sensorial dela como um todo. Sentimos dor pelo facto das nossas faculdades não conseguirem apreender o objecto, mas sentimos prazer também na tentativa de o fazermos.
Outro exemplo de Sublime é a contemplação do céu estrelado, somos levados a supor um infinito que a nossa sensibilidade não consegue apreender (S. Matemático)
Kant dá também o exemplo de uma tempestade, aqui o nosso Ânimo é sacudido pela impressão de uma força infinita.
(S. Dinâmico)

Todas têm em comum o facto de reduzirem a nossa existência à pequenez e fragilidade da condição humana - ex: obras de H.P.Lovecraft

10 maio 2011

2ºS. 10ª Lição- Kant: Juízo de Gosto; Teoria do Génio

A Crítica da Faculdade de Julgar, divide-se me duas partes:
crítica do belo e do sublime
teleologia ou ciência da finalidade


A Estética de Kant analisa a percepção do belo na prática da vida quotidiana. Essa análise dá-se essencialmente na sua Crítica da Faculdade do Juízo (1790).

Para Kant, a estética é um estado de vida de direito próprio, uma capacidade de fruição intimamente relacionada a outras capacidades cognitivas do ser humano, sem depender, necessariamente, da aquisição de conhecimento.
A contemplação estética não requer intelecção tal como a contemplação teórica, com fins de conceituação e/ou classificação do objecto, importando, apenas, nessa contemplação, a percepção do objecto. Isso não quer dizer, porém, que se trata de uma percepção meramente subjectiva. Tal percepção dos fenómenos dá-se de uma maneira especial, podendo ser confirmada, sim, intersubjectivamente.
Convém lembrar que a observação de uma manifestação estética só pode ser apreendida por aqueles que tiverem, a priori, recursos sensoriais e cognitivos, além de estarem dispostos a praticar o exercício da atenção a ser dirigida à presença sensitiva de um determinado objecto


Segundo Kant o juízo de gosto depende do sentimento de agrado ou desagrado e portanto não é um juízo cognitivo. A sua base de determinação só pode ser subjectiva.
Kant distingue o prazer puro desinteressado que está presente no juízo de gosto com a espécie de prazer que sentimos no que é agradável para nós (o qual está associado com a gratificação pessoal ou diversão) e a espécie de prazer que sentimos no que é bom.
Estes dois tipos de prazer estão relacionados com qualquer espécie de interesse (no primeiro caso a gratificação sensorial que partilhamos com os animais; no segundo caso o nosso interesse racional no que tem valor objectivo). Apenas o nosso interesse pela beleza é um prazer desinteressado e livre. 


Daqui Kant parte para a definição de belo como 'um objecto de prazer independente de qualquer interesse'.
"Esta noção de puro e livre prazer, cuja base de determinação é inteiramente subjectiva de que qualquer coisa é bela implica representa-se um objecto de prazer universal."
(Cottingham, History of Western Philosophy)
O gosto é a faculdade de julgar esteticamente, permitindo ao humano aferir se uma coisa ou uma obra é bela.
Trata-se de uma faculdade que pressupõe a harmonia ou unidade subjectivas entre a imaginação e o entendimento, faculdades cognoscitivas (que tem habilidade de descobrir) que não aprisionam o objecto conceptualmente, mas que, pelo contrário, são incitadas a apreciá-lo pela sua forma e nunca pela sua matéria.
Como vemos, na base do juízo de gosto kantiano, não existe uma finalidade subjectiva ligada ao interesse, nem uma finalidade objectiva ligada ao bem, mas uma finalidade sem fim, na medida em que privilegia a forma do objecto, na sua representação formal, condição de possibilidade da relação harmoniosa das faculdades representativas e do sentimento de prazer.
Ora, este estado anímico, o livre jogo das faculdades do conhecimento, pode ser partilhado, comunicado, ultrapassando o nível privado e pessoal do agrado provado pelos sentidos.
Esta comunicabilidade estética apoia-se na universalidade das condições subjectivas do juízo estético, porque sem elas a humanidade jamais poderia avaliar qualquer forma de um objecto sensível como belo ou feio.
Não existe “gosto” sem “Razão”. A própria “subjectividade” é uma forma interpretativa da realidade objectiva racionalmente entendida; quando dizemos que “isso é subjectivo”, estamos a considerar implicitamente uma escala de valores na análise em relação a uma realidade objectiva e passível de ser racionalizada.






Crítica Faculdade de Julgar, cap- 1-9
Juizo de gosto:
“As rosas são belas!”
Não se trata de um juízo lógico, nem empírico.
O predicado deste juízo nunca pode ser um conhecimento, e a causa é sempre um sentimento
O juízo de gosto resulta num estado de alma que é a harmonia das nossas faculdades
É o sentimento de livre jogo das faculdades da Imaginação e do Entendimento. A imaginação apreende o objecto e forma uma imagem, o entendimento não consegue fornecer um conceito para tal, mas concorda…
Esse sentimento é ele próprio um conhecimento e pode ser partilhado universalmente.
Disposição do juízo de gosto: jogo livre
“O Belo é o que apraz universalmente sem conceito”

Jogo Livre: Acordo, harmonia, sem nenhuma intenção cognitiva
O prazer é consequência desse jogo: é acordo entre a coisa vista, consigo próprio e com o tomar consciência disso.
Há um acordo acompanhado de prazer.
É um enigma.
É a conformidade a fins, mas sem fim.
É desinteressado.
O juízo estético é dizer sim.
O juízo estético causa prazer desinteressado.
O prazer pode ser universalmente partilhado, é uma subjectividade objectiva.
É um prazer intelectual, apesar de afectivo.
Quando achamos qualquer coisa bela achamos de forma universal, apesar de ser puramente subjectivo.
O sentimento estético aproxima-se do sentimento ético uma vez que ambos são desinteressados.
É um prazer sensível e intelectual não precisa da posse material, não tem fins utilitaristas ou de posse

ANTINOMIA do GOSTO:
Posição do senso Comum:
“Gostos não se discutem” puramente subjectivo
Posição Crítica:
Pode discutir-se o Gosto!
Para Kant o Juizo de Gosto embora não produza nenhum conceito, baseia-se num princípio geral de finalidade subjectiva da natureza humana, esse princípio é indeterminável mas está aí como um substracto supra sensível dos fenómenos.
(Podemos pensar que nas Ideias platónicas como fundamento de uma reminiscência colectiva)
É ele que permite numa certa época definir o que é o belo e obter como que espontaneamente a adesão colectiva


Teoria do GÉNIO C.F.J. Cap. 44- 50
Na filosofia de Kant, génio é a capacidade inata para criar belas artes e compreender conceitos que normalmente teriam de ser aprendidos e estudados.
A mente do génio é como um microcosmos que reproduz o macrocosmos, por analogia.
O carácter essencial do "génio" para Kant era a originalidade. Este génio é um talento para produzir ideias que podem ser descritas como não-imitativas.
A discussão de Kant sobre as características do génio está grandemente contida na Crítica da Faculdade do Juízo e foi bem recebida pelos românticos do início do século XIX.
“Génio é o talento (dom natural) que dá a regra à arte. Já que o próprio talento enquanto faculdade produtiva inata do artista pertence à natureza, também se poderia expressar assim: Génio é a inata disposição do ânimo, pela qual a natureza dá regra à arte.” CFJ, cap. 46, pág. 211





Os artistas são os favoritos da natureza. Para Kant, o génio é o que tem um talento natural, é uma faculdade produtiva e inata. Esta capacidade é natural e não adquirida empiricamente.
O génio é o talento (dom natural) que dá a regra à arte, apesar de desconhecer a regra:
Génio é a inata disposição do ânimo (ingenium), pela qual a natureza dá a regra à arte.
O talento do génio pertence à natureza, e a natureza age através deste.




O génio é refém da natureza.
A natureza coloca o génio ao seu serviço.
O seu talento pertence à natureza.
Os propósitos do génio estão fora do seu alcance, por isso o génio não pode explicar nem descrever com conceitos a sua produção artística.
O génio cria uma segunda natureza, aquilo que a natureza não consegue criar, e põe-o ao seu serviço.
A ideia estética é o elemento que o génio incute na matéria que não está previsto em nenhuma técnica ou conceito, é um elemento irredutível à habilidade técnica do artista, cuja fonte é o seu pensamento.
É originalidade, dom inato, expressão livre das suas faculdades
É a faculdade da imaginação que revela o génio.

Apesar de a originalidade do talento constituir o aspecto mais essencial, não basta ser génio. Kant defende que o talento existe como uma espécie de saber em potência, que para ser actualizado, carece de estudo e trabalho:
“O génio pode somente fornecer uma matéria rica para produtos da arte bela; a elaboração da mesma e a forma requerem um talento moldado pela escola, para fazer dele uso que possa ser justificado perante a faculdade do juízo.”

O génio não se submete às regras estabelecidas, e muito menos as imita. Em Kant, o génio é aquele que tem um talento original, não se aprende a ser génio:

“Daqui se vê que o génio:1) é um talento para produzir aquilo para o qual não se pode fornecer nenhuma regra determinada; consequentemente que a originalidade tem que ser a sua primeira propriedade; 2) que, visto que também pode haver uma extravagância natural, os seus produtos têm que ser ao mesmo tempo modelos, isto é exemplares; por conseguinte eles próprios não surgiram por imitação e têm que servir a outros como padrão de medida ou regra de julgamento. 3) (…) o autor de um produto, que o deve ao seu génio, não sabe como para isso as ideias se encontram nele; 4) a natureza através do génio dá regra à bela arte”[1]
[1] Kant- Crítica da Faculdade do Juízo, Lisboa: Imprensa nacional Casa da Moeda, pág. 212


Expressa uma voz universal, mas trata-se de uma universalidade subjectiva
Esta universalidade não é mais que uma ideia, uma hipótese indemonstrável.

06 maio 2011

2ºS. 9ª Lição- Talento Inato, F. Holanda, Miguel Angelo, Zuccaro

No Da Pintura Antiga, no capítulo 7º Que tal deve ser o Pintor, Holanda faz uma definição de influência platónica do Pintor. Holanda afirma que não é aprendendo que um homem se pode tornar pintor. A pintura é uma ciência que só se dominará na perfeição se já a trouxermos de nascimento, isto é, de forma inata:

“E não somente para ser perfeito e consumado em tal ciência e tão profunda lhe convém com uma nova graça nascer de Deus e de natural índole raríssima; (...) por que para digno de ser pintor mester há nascer pintor, pois o pintar não se aprende, mas somente se pode crer que com o mesmo homem nasce.”[PA, pág. 31]
Por isso, para se ser artista não basta querer ser, nem basta apenas aprender. Nem cem anos de aprendizagem fariam de um homem sem talento natural, um verdadeiro pintor:
“E contudo um grande engenho (...) e natural vale mais que todo trabalho do mundo; mas nem por isso nascer com ele somente basta, mas há-de logo de ajudar a arte e a ciência e o costume; sem o qual o mór engenho dos homens não teria algum vigor.” [PA, pág. 31]

Apesar de a originalidade do talento constituir o aspecto mais essencial, não basta ser génio. Holanda defende que o talento existe como uma espécie de saber em potência, que para ser actualizado, carece de estudo e trabalho.





Miguel Ângelo

A ideia de que a posição artística se aproxima da mania platónica ou do Furor Divinus, a defesa da precedência da ideia na concepção da obra de arte, como momento privilegiado da criação artística, bem como a ideia de que o artista tem uma personalidade especial, entre o excêntrico, o melancólico e o genial, lançam as bases para a tese de que o artista tem uma personalidade própria e que é um ser superior que sobressai entre o vulgo. Diz Holanda que o artista com o seu poder criador, concebe silenciosamente uma imagem interior da obra que há-de criar (a ideia). Esta questão está bem presente no seguinte poema de Miguel Ângelo:

‘As my soul, looking through the eyes, draws near to beauty as I first saw it, the inner image grows, while the others recedes, as though shrinkingly and of no acount’[Anthony Blunt – Artistic Theory, 1450-1600, pág, 63]

"Que ninguém jamais fique admirado do amor de Miguel Ângelo pela solidão, apaixonado como estava pela sua arte que exigia o dom de si próprio e a meditação, ele era, como é exigido para quem mergulha nos estudos, forçado a fugir da companhia. Quem fique preso às questões da arte nunca está só e sem razões de reflexão. Se lhe deram um carácter estranho e singular, foi errado, já que um bom trabalho artístico requer uma distância perante os problemas fastidiosos, o génio exige reflexão e solidão propícia, sem deixar o espírito perder-se" [Vasari - Vida de Miguel Ângelo]

Para Holanda, o artista não deve imitar ninguém, deve apenas seguir o seu engenho e talento natural. Está bem presente em Holanda, a ideia de uma espécie de inspiração divina ou de furor divinus, o que implica também, uma individualidade e liberdade face à regra:
“For Michelangelo, on the other hand, the artist, though directly inspired by nature, must make what he sees in nature conform to an ideal standard in his own mind.” [idem, pag. 64]


Esta exigência de originalidade, é também uma exigência de solidão. A individualidade do artista é marcada por uma independência face à comunidade artística que o rodeia e o seu espírito, para não se corromper, permanece isolado, numa espécie de melancolia produtiva.
A emergência do “artista saturnino”, coincide com a influência dos conceitos e ideias desenvolvidos na Academia de Caredgi, nos pintores e escultores, conscientes da sua dignidade liberal e intelectual. A ideia de que o génio criador é um ser melancólico, nunca mais deixará de exercer influência na vida artística ao longo da história, e será um conceito que juntamente com a excentricidade, estará sempre a par da exaltação da personalidade artística.
A personalidade do artista é pouco social, pouco dada a conversações, é genial porque é um dom dado por Deus, e é um grave carrego, não só porque é uma actividade séria e intelectual, mas porque é melancólica.




No séc. XV e XVI, o reconhecimento de um estatuto do artista, anda a par da exaltação de uma personalidade melancolicó-saturnina, que tem em Miguel Ângelo o seu melhor exemplo. O artista melancólico, não é propriamente o perfeito cortesão, como Rafael. Miguel Ângelo é quase um anti-cortesão, na sua personalidade difícil e associal.
A independência face à regra e o seu individualismo artístico, criaram a ideia no séc. XVI que Rafael, pela seu espírito equilibrado, pelo seu talento universal, pela sua capacidade de agradar a todos e de obedecer às regras que sustentavam a arte, era um excelente pintor, enquanto Miguel Ângelo era um génio extravagante, a quem faltava a qualidade da graça e da moderação.
Os artistas do século XVI foram marcados pela atmosfera neoplatónica que se fazia sentir, como uma espécie de cultura em pano de fundo:
“But among all his contemporaries Michelangelo was the only one who adopted neoplatonism not in certain aspects but in its entirely, and not as a convincing philosophical system, let alone as the fashion of the day, but as a methaphysical justification of his own self.”[1]~





Miguel Ângelo seria um dos poucos artistas que frequentou a Academia de Caredgi e revela que assumiu o pensamento neoplatónico que circulava na Academia, tanto na sua poesia como na sua obra artística, como é bem visível no túmulo dos Médicis ou nas estátuas Lia e Raquel ou correspondentemente Vida Activa e Vida Comtemplativa (túmulo de Júlio II): [1] Erwin Panofsky- Studies in Iconology- Humanistic themes in art of the Renaissance. Colorado, Oxford: Icon Editions, Westview Press, s.d., pág. 180
Para este génio-melancólico, o resultado do devir da inspiração e o furor divinos, exercem o seu poder na produção artística em detrimento da perfeição das regras da arte. O artista, diz-nos Holanda, pelo seu poder de criação tem uma função divina, comparada ao próprio Deus. O desenvolvimento desta ideia neoplatónica permite colocar a pintura e o desenho no topo das actividades humanas, como as mais nobres de todas.
A noção de Furor divino, vem ao encontro desta ideia. O artista, através do seu génio criador, está mais perto de Deus, e por isso a experiência transcendental do Furor divino surge como uma consequência natural da sua capacidade de criação, tão próxima da divina. A definição de Marsilio Ficino de furor divino, certamente conhecida de Holanda, poderá lançar luz sobre esta expressão:
(...)uma espécie de iluminação da alma, através da qual Deus revela como num relâmpago no mundo inferior e a atira para o mundo superior”.[1] André Chastel- Marsile Ficin et lárt. Genéve: Librairie E. Droz; Lille: Librairie R. Giard, 1954, pág. 169 – citação tirada do séptimo discurso do comentário de Ficino ao Banquete de Platão. (VII, 13-14)


E no entanto, é este modelo, de artista saturnino, melancólico, excepcional, que vai conferir ao artista a ideia de génio e de uma capacidade intelectual e espiritual, afastada das coisas terrenas, que dominará o séc. XVI e sustentará os pilares da ideologia Maneirista.
O artista é um ser de excepção, e não deve estar sujeito às regras da sociabilidade a que são obrigados os comuns dos mortais. Não deixa de ser curioso que Holanda defina a personalidade artística, totalmente à luz da de Miguel Ângelo, que na sua rebeldia, não se submetia aos cânones cortesãos:

“E logo de seu mesmo buscará a lição de poesia e uma nas letras que facilmente como ao Senhor se entregarão, sem as quais não pode seguir a difícil perfeição; (...)
Está bem ao raro desenhador ter algumas liberdades e condições, assim no conversar sem comprimento, como em outras coisas livres que lhe pede o seu cuidado e a ocupação do seu intento, as quais coisas não são lícitas a outro homem ocioso.” [PA, pág. 31]

“E não somente para ser perfeito e consumado em tal ciência ou arte neste mundo para sua perfeição lhe foi necessário trazer a origem e natural de seu nascimento, sem dúvida nenhuma esta deve ser a arte da pintura.”

“E contudo um grande engenho e natural vale mais que todo o trabalho do mundo; mas nem por isso nascer com ele somente basta…”
PA, pág. 30-31




Miguel Ângelo refere-se ainda à condição do artista, nos Diálogos em Roma, como aquela que lhe permite preferir servir o Papa, antes com a arte do que com a companhia, e afirma ainda que conversa com o Papa livremente e com algum descuido na apresentação.
E no entanto, diz ele, “não me matam por isso, antes me têm dado a vida.” [DR, pág. 28].
Miguel Ângelo refere-se à condição artística como um grave carrego[DR, pág. 28] que se assume aqui, como a legitimação de um estatuto que parece tudo justificar.
Um pouco mais adiante, afirma que o artista, por ser tão excepcional, deverá ter direito a algumas liberdades e condições:
“ (...) assim no conversar sem cumprimento, como em outras coisas livres que lhe pede o seu cuidado e a ocupação do seu intento, as quais coisas não são lícitas a outro homem ocioso.”[DR, pág. 31]



Holanda não fala explicitamente em Melancolia, ou numa personalidade saturnina, mas a personalidade artística que defende, como ser superior e de excepção vem ao encontro da noção de Melancolia em muitos aspectos.
Miguel Ângelo encerra o protótipo desta teoria do pintor, pelo seu estatuto e pela complexidade da sua personalidade que vai, quer ao encontro da “mania” platónica e do Furor Divino, quer da noção de Melancolia em Aristóteles, que Holanda tão bem descreve nesta passagem:
(...) e se ser pudesse pôr-se o estilo na mão e fazê-la com os olhos tapados, melhor seria, por não perder aquele divino furor e imagem que na fantasia leva.[PA, pág. 43]

Miguel Ângelo é o exemplo máximo aos olhos de Holanda, deste protótipo do artista associal, excêntrico, sensível e que vive o fascínio pelo tenebroso e a percepção da realidade para além das aparências e do ponto de vista comum, e é o símbolo deste génio saturnino que marca ideológica e culturalmente o séc. XVI:

(...) M. Ângelo foi constantíssimo, que nunca se deixou aniquilar dos comuns e fracos entendimentos dos imperitos, se não eram conformes à sua primeira ideia e ao próprio natural (...), pintando mais como grande mestre, que como covarde e fraco pintor, tendo mais dever com a imortalidade das coisas, que com fazer a vontade a quem o não entende.” [PA, pág. 36]






Miguel Ângelo simboliza para Holanda o mito do artista que não se submete a nenhuma regra, a não ser à sua própria intuição estética, desprezando condicionalismos de índole social, relativamente até aos seus mecenas:
Miguel Ângelo é já uma encarnação consciente do super-homem nietzscheano, que cada uma das suas figuras exprime plasticamente.
O próprio Miguel Ângelo passa por grandes mudanças na sua vida. De jovem artista fascinado com o ideal da beleza, passa na velhice a estar inteiramente dominado por valores cristãos, sagrados e vincadamente místicos.
“The strong physical passion of the early love poems has given place to doctrines which make love the contemplation of na incorporeal beauty.”[1]
Pode dizer-se que a sua personalidade, tal como a de Francisco de Holanda, também se foi tornando cada vez mais saturnina com o passar do tempo:
“It is hard to believe that the Humanist creator of the early Bacchus or even of the Sistine ceiling would one day pray to renounce the arts from feelings of Christian piety.”[2]
[1] Anthony Blunt, Artistic Theory in Italy- 1450-1600. pág. 70
[2] Idem, pág. 80


É possível até encontrar uma certa semelhança com a evolução do próprio Holanda, que na velhice, exilado no seu monte em Sintra, parece ter renunciado às musas da beleza e aos ideais do classicismo/humanismo, em troca de uma fé mística e de uma entrega aos mais puros valores cristãos, que caracteriza a época da Contra Reforma.
Miguel Ângelo e Holanda, são figuras que pertencem ao fim do Renascimento, mas contemporâneos dos primeiros passos da Contra-Reforma.
As mudanças ideológicas por que passaram correspondem também a mudanças históricas e pode dizer-se que preparam terreno para a implementação da ideologia maneirista.







A Criação de Adão- Miguel Ângelo




A Criação de Adão é um fresco de 280 cm x 570 cm, pintado por Miguel Angelo por volta de 1511, que figura no tecto da Capela Sistina. A cena representa um episódio do Livro do Génesis no qual Deus cria o primeiro homem: Adão.
Deus é representado como um ancião de barbas envolto num manto que partilha com alguns anjos.
O seu braço esquerdo está abraçado a uma figura feminina, que foi interpretada como Eva – que ainda não foi criada e, figuradamente, espera no céu para ganhar uma forma humana. O braço direito de Deus está esticado para criar Adão, o qual esta com o braço esquerdo estendido. A composição é obviamente artística e não literal, já que Adão é capaz de alcançar Deus mesmo antes de ter ganho vida. Pela mesma razão, Eva é vista representada antes de sua própria criação. Alusão à noção neoplatónica de “imagem interior”, noção que representa a faculdade da imaginação, central para o poder criador do artista.
Representação do poder criador divino (animante)
As posições de Deus e Adão, a pintura do braço direito de Deus e esquerdo de Adão são quase idênticas e representam o facto de que, como diz o Génesis 1:27, Deus criou o homem à sua imagem e semelhança.
(O dedo indicador de Adão, a mais famosa representação do fresco, não é de facto um trabalho de Miguel Ângelo. Este foi danificado durante um desabamento em meados do século XVI e foi pintado por um restaurador do Vaticano.)
contraposição ao do criador.






DESEGNO - Zuccaro


Esta noção de Desegno tal como Holanda a define pode ser relacionada com a interessante análise etimológica que faz Frederico Zuccaro da palavra Disegno.
Para Zuccaro a palavra Disegno prende-se com o nome de Deus: as duas primeiras e a última letras da palavra Disegno constituem a palavra Dio.

Frederico Zuccaro- “Le Mithe de la Peinture” in La Peinture, Texts Essenciels, Paris: La Rousse- Bordas, 1997, pág. 34

Já Vasari tinha desenvolvido o conceito de desenho enquanto actividade mental e enquanto princípio unificador de todas as artes.
Zuccaro defende que o Desenho é o princípio fundamental de todo o pensamento.
Ele baseia a sua tese na autoridade de Aristóteles, que defende que a mente forma imagens directamente das impressões sensíveis. Estas imagens são a base de todo o tipo de pensamento, isto é, o Desenho.
O Desenho é a Ideia de todas as coisas.
“É a imagem e a similitude de Deus em nós”
Zuccaro pretende mostrar que todos os pensamentos especulativos e disciplinas liberais bem como todas as actividades humanas derivam do desenho.
Zuccaro termina o seu tratado definindo uma hierarquia de conhecimentos, na qual as artes visuais ocupam a posição mais elevada.

Para Zuccaro, tal como para Holanda, a palavra Disegno denota a ressonância e a imagem de Deus na nossa alma:
"DI , SEGN , O: do nothing further that denotes the sign of the divine image and likeness in the soul. "
Em Lamento della Pittura (1605), critica o pobre estado das artes, sobretudo daqueles pintores que apenas querem agradar ao “olho” e negligenciam o lado intelectual da arte.
Zucarro é neoplatónico: dá prioridade à Ideia, à imagem interior e não à cópia do mundo exterior.